Do Jornal do Commercio
01/03/2010 - "Os tribunais estão violando sistematicamente a presunção de inocência. É o que demostra relatório publicado pelo Instituto de Direitos Humanos da International Bar Association (IBAHRI). O dossiê, intitulado Um em cada cinco: a crise do sistema prisional e de justiça criminal no Brasil, deixou claro que o encarceramento tornou-se uma rotina no País, mesmo para aqueles acusados de furto - crime considerado de menor gravidade, já que não envolve o uso de força ou violência. Segundo o estudo, em alguns tribunais, mais de um terço das pessoas detidas sob a acusação de tal crime tinham passado mais de 100 dias privadas de liberdade, e muitas passaram mais tempo presas provisoriamente do que passariam cumprindo a pena eventualmente recebida.
O relatório - que foi divulgado na sexta-feira, em São Paulo - mostra uma série de estudos já realizados no País, que comprovam as precárias condições do sistema carcerário. Os dados do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), órgão responsável por fiscalizar e estabelecer as diretrizes do planejamento estratégico do Judiciário, mostram que um em cada cinco detidos no Brasil, em prisão cautelar, está sendo mantido preso indevidamente.
O estudo mostrou que o uso da prisão provisória variou significativamente em diferentes partes do País e parece estar relacionado a uma série de fatores subjetivos, tal como a atitude de certos juízes. Enquanto em Porto Alegre, no sul do Brasil, o índice de encarceramento de pessoas presas em flagrante para esse crime foi de cerca de 30%, tal índice subiu para 90% na cidade de Belém, no norte do Brasil, compara o estudo.
De acordo com o relatório, a tendência geral no sistema de justiça criminal brasileiro é a de condenar mais acusados à prisão do que libertar, o que tem provocado o excesso da capacidade do sistema penal, já superlotado. O documento mostra que um enorme acúmulo de casos foi gerado, levando ao aumento de atrasos no sistema judicial, sendo que mais de 80% dos presos não podem pagar um advogado.
Os problemas, segundo o relatório, persistem, apesar dos inúmeros tratados internacionais ratificados pelo Brasil que têm como objetivo a proteção dos Direitos Humanos e a criação de órgãos com vistas justamente à consolidação dessa proteção. Devido à incompetência burocrática ou falhas sistêmicas, muitas pessoas estão presas irregularmente, passam anos em prisão provisória ou permanecem na prisão após o término do respectivo período. A superlotação extrema, condições sanitárias precárias, violência entre organizações criminosas e motins deterioram o sistema prisional, onde os maus-tratos, incluindo espancamentos e tortura, são comuns, constata o relatório.
O governo brasileiro está deixando muito a desejar no cumprimento das obrigações constitucionais que garantem os direitos humanos aos quais todos os brasileiros têm direito. A crise corrente também está se tornando uma preocupação de segurança pública, que vem de encontro com as tentativas do estado de reduzir a criminalidade, diz Juan Mendez, presidente do IBAHRI.
Presos
A população de presos no Brasil é a quarta maior do mundo. Em setembro do ano passado, havia 472.482 pessoas presas. Destes, 264.940 eram presos condenados e 207.542 (44%) estavam sendo mantidos em regime de prisão provisória. De acordo com o instituto internacional, o número de presos no Brasil está aumentando rapidamente. Em 1995, havia em torno de 106.512 presos condenados e 42.248 detentos em prisão provisória. Isso significa que o número total de presos mais do que triplicou, e o número de detentos em prisão provisória mais do que quadruplicou nos últimos 14 anos.
O relatório também destaca os problemas estruturais dos tribunais. Os tribunais também estão sobrecarregados com o número de casos com os quais têm de lidar. Há um grande acúmulo de processos, o que tem levado a atrasos crescentes na condução dos julgamentos.
O documento faz um apanhado de todas as iniciativas desenvolvidas pelo Judiciário, pelo Executivo e pela sociedade, com vistas a melhorar as condições de cárcere. Nesse sentido, destacou os mutirões carcerários do Conselho Nacional de Justiça, que possibilitaram a libertação de pessoas presas indevidamente, e as iniciativas que visam a fomentar a advocacia voluntária, como forma de compensar a falta de defensores públicos.
Em novembro de 2009, o CNJ anunciou que, após examinar 83.803 casos, os mutirões libertaram 16.466 pessoas que estavam presas irregularmente. Tal número equivale a quase 20% do volume total de casos por eles examinados, ou um em cada cinco presos provisoriamente, sugerindo que o problema é extremamente sério em todo o País. Outros 27.644 detentos foram considerados mantidos em níveis de segurança inadequados. Os mutirões descobriram centenas de indivíduos que haviam passado muito mais tempo presos provisoriamente do que eles poderiam ter passado como presos condenados, diz."
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