sexta-feira, 7 de agosto de 2009

Prisão, liberdade e o país dos culpados

Por Agnaldo Abrantes*

“Ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória”. Esta é a garantia que temos petrificada na Constituição (artigo 5.º, LVII), mais conhecida como “princípio da presunção de inocência”. Significa que uma pessoa suspeita de crime só será considerada culpada após ser condenada através de sentença judicial da qual não cabe recurso. Nesse sentido, ainda que pesem grandes suspeitas e fortes indícios contra o acusado, a decretação da prisão preventiva deve observar os requisitos próprios das medidas cautelares.

No Brasil, muitos acusados criminalmente aguardam o julgamento encarcerados. Isto se deve, em boa medida, ao nosso sistema processual penal, o qual prevê, em síntese, duas espécies de prisão: prisão-pena e prisão “cautelar”. A prisão-pena é aplicada após a sentença penal condenatória. E a prisão de natureza cautelar (em suas diversas vertentes) pode ser aplicada no curso do inquérito ou processo, porém, somente em casos de comprovada necessidade que, a rigor, está consubstanciada nos seguintes requisitos legais: como garantia da ordem pública e da ordem econômica, por conveniência da instrução criminal, para garantir a aplicação da lei penal e quando há materialidade do crime e indícios suficientes de sua autoria.

Como se vê, uma prisão de natureza cautelar (preventiva) está relacionada à necessidade de se “acautelar”, isto é, prevenir ou proteger de eventuais riscos que o acusado ofereça. Nesse sentido, alguém pode ser preso porque oferece risco à ordem pública (insegurança à sociedade), porque vai influenciar testemunhas ou destruir provas (ameaça ao processo) e porque demonstre que irá furtar-se à eventual aplicação da lei penal (garantir a execução da pena).

Se é verdade que se trata de ferramenta jurídica importante (às vezes fundamental, diga-se) para que o nosso sistema punitivo funcione. Também é fato que a prisão de natureza cautelar tem sido confundida com a prisão-pena. Tal banalização é ruim porque pesa sobre qualquer indivíduo suspeito ou acusado de um crime (mesmo sendo inocente) a ameaça de ver decretada sua prisão. Daí sua aplicação ter sido restringida pela Constituição, a fim de evitar os abusos outrora praticados.

Assim, não basta dizer que o acusado, solto, constitui ameaça à ordem pública. Faz-se necessário expor essa intranquilidade social. Também não é suficiente a simples afirmação de que o acusado irá influenciar testemunhas (ato incoveniente à instrução criminal), sendo necessário demonstrar tal suspeita. Do mesmo modo, não é valido um decreto prisional alegando apenas que o acusado poderá fugir, sem mencionar os reais motivos que levaram à suspeita de tal intenção.

De fato, trata-se de uma regra bastante razoável que nasceu com o propósito de evitar a punição de inocentes. É bem verdade que pode haver impunidade se o acusado for condenado caso não seja aplicada a respectiva punição. Por outro lado, não é impunidade um acusado responder ao processo em liberdade se ainda não há condenação. Na verdade, significa que sua liberdade, enquanto aguarda o julgamento, não coloca em risco a sociedade, nem o processo e tampouco a futura execução da pena.


Portanto, deve-se ter muita prudência na decretação das prisões temporárias e preventivas, sob pena de perder-se o foco para o qual foram criadas além do risco de transformá-las em medida cada vez mais banal na justiça criminal, de tal maneira que gere prisões baseadas em suspeitas, preconceitos ou motivadas por sensacionalismos midiáticos - afinal, a regra é a liberdade e a exceção a prisão, nunca o contrário.

* - O autor é mestre em direito pela UCAM-RJ, professor de direito penal, processo penal e interpretação jurídica, autor de “Pena Alternativa no modelo brasileiro de Justiça Criminal” editora Epígrafe.

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